A Mansão do Penhasco

Prólogo


A Mansão do Penhasco apresenta uma porta para entendermos um amor além do carnal “homem e mulher”. É o observar a natureza, o perceber a beleza que existe em tudo que nos cerca, amar a tudo e ao próximo sem cobranças. Ser amigo de tudo e de todos os quais estejam prontos a aceitar uma boa companhia sem cobranças futuras.

Uma moça, simples e feliz com a vida, que vive com seu pai numa casa grande e confortável, cercada pela natureza a qual irradia muito amor. Em certo momento de crise, pai e filha se encontram numa situação financeira que exige uma mudança na rotina de ambos, fazendo com que abram as portas da Mansão para uma outra pessoa a qual tem humor comportamental e de ver as coisas diferenciado do que até então dominava aquele espaço.

Uma lição de vida onde todos os envolvidos se acrescentam em algo na arte de viver.



A Mansão do Penhasco



Século XIX, no topo de um dos penhascos da Irlanda.

Pai e filha vivem felizes apesar da falta da mãe que falecera no parto quando Charlotte nascera na mansão do Penhasco onde a menina fora criada, passou toda sua infância, adolescência e começo da fase adulta no melhor lugar onde poderia ter vivido, frente ao mar no alto de uma vasta linha costeira convivendo com gaivotas, sol e toda a natureza que estivesse presente naquele local.
Ouviu-se passos correndo sobre a casa, Lenard estava sentado em sua poltrona, era um senhor de cabelos grisalhos,alto e esguio, ligeiramente magro e aparentemente simpático, com seus grandes óculos e um livro pequeno sobre a mão, olhou para o teto ouvindo os risos de Charlotte dando bom dia a tudo que via, as leves rugas de seus olhos verdes frisaram-se quando a menina que estava fazendo vinte anos desceu a escada.

Charlotte correndo entusiasmada ao encontro do pai;
- Bom dia papai!

Lenard levanta-se com os braços abertos recebendo toda a felicidade de sua filha;
- Bom dia minha filha! Como se sente neste dia glorioso?

Charlotte
- Radiante como sempre papai. Especialmente hoje! Afinal, não é todo dia que fazemos vinte anos.

Lenard
- Sim! E por este motivo, hoje iremos à cidade comprar seu presente.

Charlotte sentando-se no sofá junto a Lenard;
- Ah não papai! Sei que não podemos gastar dinheiro. Não se preocupe com isso, me contento em passar o dia aqui com o senhor. Ser sua filha já é o meu maior presente.

Lenard
- Não, não, não, não, não! Você é a felicidade desta casa e vamos à cidade sim, e a senhorita poderá escolher o presente que quiser para dar um novo colorido a essa luz que irradias. Afinal não é todo dia que fazemos vinte anos. Não é mesmo?

Charlotte abraça e dá um grande beijo na bochecha do pai;
- Está bem! Já que insiste. (Ela levanta-se). Então tomamos nosso breakfast e partimos em seguida.

Eles seguiram de carro para a cidade que não ficava muito longe dali, apenas tinham que descer a estradinha de terra pela montanha, que em algumas curvas dava para desfrutar da paisagem do oceano.

Lenard
- Charlotte, como já sabe, estamos passando por um momento difícil economicamente falando. Andei pensando em alugar parte da casa para alguém bem recomendado e que seja de bom grado para nós.

Charlotte
- Mas papai! Não tem outra maneira de conseguirmos nos manter sem ter um estranho convivendo conosco?

Lenard
- Infelizmente não vejo outra saída minha querida. Ou isso, ou em breve não sei o que será de nós. Com a população da Irlanda fugindo nos últimos anos por causa do tifo, a crise da batata em nossa terra e tudo mais, ficamos a mercê de uma grande queda econômica.

Charlotte relutou mais um pouco com expressão de quem não gostou, mas compreensiva e doce como sempre, a moça abriu um sorriso e disse ao pai:
- O que decidir está decidido, pois o senhor é pai e mentor da nossa casa, e graças aos seus ensinamentos sou tão feliz como sou. Isto quer dizer que o senhor sempre sabe o que faz, por isto devo confiar que tudo ficará bem.

Lenard olha para Charlotte e sorri;
- Vou deixar a encargo de um corretor que conheci na cidade. Dizem que ele é o melhor para nos ajudar a encontrar a pessoa certa como inquilina.

Lenard e Charlotte cantavam e brincavam pelo caminho, estavam felizes e distraídos com aquele dia tão esperado pela carismática menina. Quando de repente, em uma das curvas, Lenard avistou um carneiro perdido no meio da estrada, tentou desviar pisando no pedal de freio e virando o volante bruscamente...

Meses depois...

Apesar da luz fria, o quarto sempre ficava escuro porque suas cortinas raramente eram abertas, a porta velha e pesada de madeira trancada a chave, fazia barulho com o forte vento gelado do oceano que mostrava algum movimento naquele lugar parado, esquecido, quieto, era como se a terra fosse o único ser a respirar por ali. Os negros olhos estavam apagados vagando pelo ar úmido, sua pele branca e jovem ressecara não se sabe por que, a boca ainda estava rosada e os cabelos sedosos e brilhantes esparramavam-se pelos inúmeros travesseiros brancos que ficavam naquela cama vazia e solitária. Ouvia-se de muito longe o canto dos pássaros, talvez os únicos a visitarem aquelas imensas e embaçadas janelas que mais pareciam lindas molduras, avistando do alto a fúria do mar que surrava as pedras batendo nelas com fortes ondas de uma ressaca. Ali, ela não tinha nome, não era ninguém, ali, era apenas ela. O piso de madeira rangia com seus passos lentos que na maioria das vezes não sabiam para onde ir, perdiam-se no nada de suas lembranças, não se sentia mais gosto, e o longo silêncio se estendia por horas fazendo-a esquecer a própria voz. Talvez o pior já tivesse passado. Aquilo que perturbava sua mente, aquilo que não se sabia denominar. E por que aquela estranha sensação de estar perdida no vazio, do nada insistia em predominar em seu pequeno e insignificante ser? Por quê?
Podia se dizer que seus únicos amigos eram folhas amareladas e um lápis já desgastado. Por que não afirmar que as palavras que nasciam e se encaixavam como em um quebra-cabeça formando assim o enredo de sua vida, ou até mesmo desenhando seu imaginário, eram suas aliadas e fieis irmãs? Eram o que ainda lhe dava vida, estavam entranhadas em cada traço seu, bastava um simples sonho, um pôr do sol, ou uma tarde chuvosa para que a história se criasse e a induzisse naturalmente.
E naquele dia de luz fria, ouviu-se o ranger dos grandes portões de ferro com pontas afiadas que há muito já não se abriam para receber visitas, e por isso já estavam cobertos por uma planta chamada hera de inverno, mas essa não era a única espécie de trepadeira a tomar conta de todo aquele jardim quase falecido que se perdia de vista de tão grande. Um chafariz de mármore com a estátua de uma mulher nua que acariciaria a água, ficava bem em frente a mansão, estava sujo e seco, após uma pequena escadaria para chegar às portas da entrada, via-se colunas muito altas e arredondadas, a extensa varanda envolvia toda a casa que ficava no ponto mais alto de um penhasco, o vento levantava e arrastava as folhas secas do chão, brilhantes e finos sapatos pretos caminharam até a entrada. Ela ouviu alguém arrastar a porta lentamente fazendo a madeira ranger, desceu a escada deixando a bainha de seu leve vestido de seda lilás com detalhes em renda branca arrastar-se pelo chão empoeirado.
A sala principal era de uma beleza bucólica impressionante, mas uma pessoa alérgica a poeira não aguentaria ficar se quer um minuto lá dentro, assim que Heitor pôs os pés dentro da casa não teve dúvidas de que era aquela a qual procurou por todos os seus 27 anos, a parede toda de vidro de frente para o mar estava embaçada por causa da maresia, e fora o que mais lhe trouxera uma sensação de liberdade. Ele podia ver o sol, ver a lua, ver o mar, ver a chuva, ele podia até ouvir o vento viajar. As cortinas pesadas e vermelhas de veludo ainda estavam bonitas, o grande lustre de gotas de cristal continuava imóvel com teias de aranha que nem se pode imaginar de tão grandes, um piano de meia calda desafinado porque ninguém o tocava há muitos e muitos meses, ficava ao lado da larga escada centralizada na primeira sala que por um tapete vermelho nos levaria para o segundo andar da antiga mansão.
O homem que se interessara pela residência, nasceu logo após o período em que a Irlanda foi atacada pela Grande Fome causada por uma praga da batata, que atacou as colheitas por um período de quatro anos de 1845 a 1849. Milhares de pessoas morreram de fome e muitos mais faleceram devido a doenças como o tifo, como também tiveram aqueles que emigraram para outros países no decorrer dos anos que vieram, mas Heitor permanecera fiel a suas origens lutando por sua permanência na grande ilha.
Charlotte segurou em seu vestido de tecido fino enquanto descia os últimos degraus, logo avistou aquele bonito e bem alinhado homem que estava frente à parede de vidro admirando a paisagem. Então, com seus passos de bailarina seguiu até ele e ficou parada ao seu lado, Heitor continuou olhando para frente ignorando a presença da moça, virou-se dando-lhe as costas caminhando com ar de interessado naquele momento em apreciar à antiga mobília.

Charlotte
– Olá senhor. Poderia me dizer seu...

Charlotte foi interrompida por um senhor de cabelos brancos, baixo e aparentemente antipático que entrou com uma pasta nas mãos, ele era chamado por corretor.

Corretor
– Senhor Heitor, o que achou?

Heitor virando-se de frente para a moça e olhando-a disse com sua voz melodicamente rouca;
– É, a casa é... boa! Existe até uma certa beleza, mas sua estrutura... (Heitor segurava o queixo com uma das mãos enquanto olhava para o teto e andava pela sala). Hummm! Não sei! Parece-me estar meio frágil. (Ele bate com a sola de seu sapato no piso de madeira para analisá-lo). Não tem cupins?

Corretor
– Não senhor!

Charlotte acompanhando Heitor;
– Apenas no porão, um problema que se resolve fácil, creio eu. Mas queres saber por quê?

Heitor
- Como sabes uma mansão assim exposta a tanta umidade pode acabar cheia de cupins. Mas tudo bem, este é um problema fácil de resolver.

Charlotte
- Foi como eu disse senhor.

Corretor
- E da vista? É a mais bonita que já pude desfrutar. O que o senhor achou?

Heitor falando sem olhar um minuto sequer para os presentes na sala;
- Sim, sim.

Charlotte
- Um privilégio e tanto não acha?

Heitor seguindo para a porta de saída;
- Voltaremos daqui a algumas semanas, talvez. Vejo que parece estar abandonada neste lugar silencioso por muito tempo. (Ele pára e fica à distância de frente para Charlotte). Por isso encontra-se neste estado deprimente. (Heitor segue para fora da casa).

Charlote olhou-se dos pés a cabeça tentando entender a última frase do moço, e com uma careta mostrou ter entendido de uma maneira não muito positiva.
Heitor ocupava-se com seu trabalho, não por obrigação, mas sim porque apesar de sua boa aparência era um homem muito recluso, ele encontrara um lugar dentro de si que o agradara e o fazia se sentir seguro, criou seu próprio mundo e se trancara dentro dele. Era um escritor não muito conceituado na Irlanda, já havia escrito poucos livros, nenhum de sucesso. Mas ele dera a sorte de nascer em uma família de muitas posses, filho único, perdeu seus pais muito cedo, vendo-se obrigado a tomar as rédeas dos negócios antes que seus parentes o fizessem para tomar-lhe tudo que herdara. Agora já adulto Heitor apenas queria encontrar a paz, que mesmo trancado no seu interior silencioso não conseguia sentir.
Após três semanas ele voltou à mansão em seu carro trazendo consigo quatro malas de couro marrom escuro, com uma chave ele abriu o cadeado já enferrujado dos portões de ferro. Assim que estacionou em frente à mansão parou por alguns segundos para admirá-la, segurando as malas empurrou a porta e entrou. Charlotte o viu entrar lá do sótão que mais parecia um aquário rodeado por janelas de vidro. O teto era alto o suficiente para qualquer pessoa poder andar sem bater com a cabeça, tudo lá dentro era de madeira, a decoração era simples composta por apenas um sofá, uma mesa e uma cadeira, uma cama de solteiro e em frente um baú, tudo se resumia neste cômodo, não havia divisões, apenas uma escada que descia para o segundo andar da casa.

Charlotte
- Eu não sabia que o papai já havia encontrado um inquilino assim tão rápido. (Charlotte desceu as escadas e foi para o primeiro andar onde viu novamente Heitor com as mãos no bolso admirando a paisagem, ela disse baixinho agachada na escada:) É aquele senhor que veio aqui há poucas semanas. Como é mesmo seu nome? Hummm... Eric? Não! Ah... Heitor! Sim, é ele acompanhado do seu jeito esnobe. (Charlotte levantou-se e andou até ficar um pouco atrás de Heitor e então parou e ficou olhando-o dos pés a cabeça).

Heitor virando-se de frente para Charlotte e caminhando pela sala;
- Ainda bem que este lugar fica longe da cidade.

Charlotte
- Por que diz isso?

Heitor
- Creio que escreverei melhor aqui sem todo aquele barulho ensurdecedor. Pessoas! Pessoas! Pessoas! Elas falam demais, perguntam demais, se intrometem demais na vida dos outros, se sentem nesse direito apenas porque são vizinhos. Aqui não terei vizinhos, ninguém para perturbar o sossego da minha escrita. Adoro todo esse silêncio. (Heitor sobe a escada para o segundo andar).

Charlotte continua onde estava;
- Mas o senhor não está sozinho, eu e meu pai moramos aqui também. (Heitor desaparece dos olhos de Charlotte). Vou falar para o papai que não gostei desse moço! Não! É melhor eu não falar nada, estamos precisando do dinheiro do aluguel. Bom, já que ele não gosta de pessoas não precisarei me esforçar para fazer sala para ele.

Heitor subiu os degraus e se deparou com uma grande janela à sua frente que tinha como quadro vivo o oceano, um corredor transversal que tanto para o lado esquerdo quanto para o direito, se alongava com portas de ambos os lados, sendo que indo pela direita ou esquerda da escada, como se voltássemos à entrada da casa, também víamos passagens por corredores que levavam logo à frente, a passar por um portal de madeira, encontrando uma grande sala com uma grande lareira e sofás ao seu redor de veludo vinho com quadros antigos que tornavam aquele ambiente ainda mais conservador, e no final do primeiro corredor transverso retromencionado à direita, mais uma escada que daria no sótão. O escritor entrou em cada porta que viu, com os olhos brilhantes admirava o bom gosto e como tudo estava muito bem conservado, apesar dos móveis parecerem ser de séculos atrás. Os quartos que mais lhe agradaram foram às seis enormes suítes principais que eram seis dos inúmeros cômodos que tinham vista para o mar. Pouco depois de acomodar suas coisas tratou de limpar os lugares onde circularia, estavam muito empoeirados, ele levou o dia inteiro, mas conseguiu cumprir sua tarefa.
No dia seguinte Heitor acordou, e após seu desjejum solitário, com uma caneca cheia de café caminhou com seus pés congelados apesar de calçados até o jardim. Parado ali na varanda observou a imensidão daquela natureza e quanto trabalho iria ter para limpá-lo.

Heitor
- Terei muito tempo para isso.

Como um homem bem sucedido não tinha obrigações para com os outros, mas como uma pessoa solitária assim que se exauria de seus livros, logo tratava de arrumar uma nova tarefa para ocupar seus pensamentos. Nunca se vira um jardim tão triste e pesado como aquele.
No final da tarde, como quase sempre naquela época do ano, caía uma chuva e o vento ficava gelado, o escritor costumava relaxar e sentir sono, passando pelo corredor, Heitor olhou para a escadinha que dava no sótão, o único lugar aonde não havia ido, pois naquele final de tarde ele resolvera subir. Ele não se surpreendeu com este cômodo, era simples, mas por incrível que pareça sentiu uma sensação de conforto, algo tranquilizou seu espírito, o silêncio às vezes o fazia concentrar-se sem ele mesmo perceber. Ele caminhou até as janelas e admirou a vista, então virando-se reparou o baú em frente a cama que estava